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quarta-feira, 24 de julho de 2013

Aos 84 anos, morre Djalma Santos, lateral bicampeão mundial pela Seleção



Uma única frase resume a vida de Djalma Santos: ele foi o melhor lateral-direito de todos os tempos. Campeão mundial com a Seleção Brasileira em 1958 e 1962, o atleta paulistano participou ainda das Copas de 1954 e 1966. Foi ídolo na Portuguesa, no Palmeiras e no Atlético-PR, os três clubes que defendeu em mais de duas décadas de carreira. Internado desde o início de julho no Hospital Dr. Hélio Angotti, em Uberaba (MG), cidade onde morou nos últimos 30 anos, Djalma Santos não resistiu às complicações de uma pneumonia e faleceu às 19h30 de ontem, aos 84 anos de idade, vítima de uma parada cardiorrespiratória. O coração e os pulmões do “Homem de Aço”, que tanto trabalharam pelo futebol, perderam o jogo para o implacável tempo.

“Djalma Santos põe, no seu arremesso lateral, toda a paixão de um Cristo Negro”, definiu o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues. A devoção de Djalma, no entanto, não estava somente nos verdadeiros “cruzamentos com as mãos” para a grande área, jogada que ele popularizou. O lateral-direito foi um dos primeiros defensores a ir ao ataque com voracidade em uma época em que laterais mal passavam do meio-campo. As poderosas jogadas de fundo na área adversária, porém, não significavam descuido defensivo. Com fôlego invejável, ele aparecia ora como ponta-direita ora como marcador implacável – o que lhe rendeu outro apedido, o de “Muralha Brasileira”.

Homem de Aço, Cristo Negro, Muralha Brasileira ou simplesmente Djalma Santos, o eterno lateral-direito da Seleção Brasileira e do Palmeiras nasceu, na verdade, como Dejalma dos Santos. Ao longo de uma juventude sofrida, ele superou inúmeras adversidades para tornar-se uma verdadeira lenda do futebol internacional mesmo sem ser um artilheiro. Ao longo de 16 anos de Seleção Brasileira, ele marcou apenas três gols. O talento e a dedicação, no entanto, alçaram o jogador ao patamar de craque em uma posição onde poucos no mundo conseguiram se destacar tanto. Pai da camisa 2, ele foi a inspiração para laterais-direitos como Carlos Alberto Torres, Leandro e Cafú, herdeiros da dinastia do bicampeão mundial.

Infância
Djalma Santos nasceu no dia 27 de janeiro de 1929, no Bom Retiro, bairro no centro de São Paulo. Único filho homem de Sebastião e Laura, tinha três anos de idade quando o pai foi lutar na Revolução Constitucionalista de 1932 e não voltou mais. A morte do chefe da família obrigou dona Laura a penar para alimentar Djalma e suas três irmãs. Ainda criança, o menino escapou de uma pneumonia que quase o matou. A vida só melhorou quando sua mãe conheceu Seu Vitor e levou todos para o bairro Parada Inglesa, Zona Norte de São Paulo. Para sobreviver, a família vendia quentão, pipoca e amendoim na porta de um circo. Laura trabalhava ainda como doméstica.

Aos 12 anos, Djalma sofreu outro baque com o falecimento de sua mãe, vítima de câncer. Restou ao adolescente morar com a irmã Anésia e trabalhar desde cedo para ajudar a levar comida para casa. Ele conseguiu um emprego em uma fábrica de calçados próxima de onde morava. Nas horas vagas, o menino jogava futebol nos campinhos de futebol da região, onde já mostrava intimidade com a bola. Chegou a fazer testes no Ypiranga e no Corinthians, e atuou no América (SP) e do Internacional (SP), times amadores próximos do bairro onde morava. A carreira só não decolava por que Djalma não conseguia conciliar horários com o trabalho de sapateiro.

Apesar da habilidade no futebol, o sonho de Djalma Santos era ser piloto de avião da Força Aérea Brasileira (FAB). O destino do rapaz, no entanto, era mesmo os gramados. Um acidente com uma máquina de costura de sapatos quebrou ossos de sua mão direita, impossibilitando alguns movimentos e a realização do sonho de voar em caças. O que para muitos poderia ser motivo de tristeza foi para Djalma um novo impulso. Em 1948 ele foi aprovado entre os profissionais da Portuguesa, onde começou a usar o arremesso forte para a área já que não conseguia dobrar a mão direita. Djalma jogava na Lusa de dia e trabalhava como sapateiro à noite, cumprindo horas extras.

O começo e a consagração
Djalma Santos começou na Portuguesa como volante. Em 1949, a contratação do meia Brandãozinho obrigou o técnico Oswaldo Brandão a deslocar Djalma Santos para a lateral-direita. Ali, o jogador se consagrou como o melhor da história do clube do Canindé. Na década de 50, a Portuguesa era uma das grandes forças do futebol paulista. Com o quarteto Djalma Santos, Brandãozinho, Pinga e Juninho Bbotelho, a Lusa conquistou os Torneios Rio-São Paulo de 1952 e 1955. Ao todo, Djalma Santos defendeu a Portuguesa por 10 anos e 496 jogos.

As ótimas atuações pela Lusa renderam a Djalma Santos uma vaga na Seleção Brasileira. A primeira convocação veio em 1952, para a disputa do Campeonato Pan-Americano de Futebol, no Chile. Foi seu primeiro torneio e seu primeiro de muitos títulos com a amarelinha. Em 1954, Djalma Santos participou da primeira de quatro Copas do Mundo pela Seleção Brasileira. Titular na vitória sobre o México (5x0) e no empate com a Iuguslávia, Djalma marcou um dos gols na derrota por 4x2 para a Hungria que determinou a eliminação do Brasil na Copa da Suíça. Apesar do fracasso, Djalma foi eleito o melhor lateral-direito da Copa, fato que se repetiria mais duas vezes.

Em 1958, Djalma Santos enfim encontrou a consagração. E mais uma vez, o êxito do jogador veio por caminhos tortos. O titular da lateral-direita durante toda a Copa da Suécia foi o são-paulino De Sordi, preferido do técnico Vicente Feola. O destino, porém, estava ao lado de Djalma. Na véspera da final contra os donos da casa, De Sordi foi vetado pelo departamento médico. Djalma Santos entrou e foi fundamental para dar à Seleção Brasileira o primeiro título mundial na vitória por 5x2, de virada, sobre a Suécia. Djalma alimentou Pelé e Garrincha no ataque e ainda conteve o sueco Skolund, destaque dos anfitriões. O lateral-direito atuou em apenas 90 minutos e mesmo assim foi eleito o melhor jogador da posição na Copa de 1958.

Ao voltar para o Brasil, Djalma mudou de clube pela primeira vez. Em 1959 ele aceitou o convite de Oswaldo Brandão, que havia assumido o comando do Palmeiras. Djalma Santos trocou de time, mas manteve a regularidade de sempre. Ele virou ídolo alviverde e foi um dos destaques da primeira Academia de Futebol, ao lado de craques como Ademir da Guia, Dudu, Djalma Dias e Servílio. O esquadrão alviverde barrou o Santos de Pelé nos Campeonatos Paulistas de 1963 e 1966, e conquistou ainda três Campeonatos Brasileiros: a Taça Brasil em 1960 e 1967, e o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, também em 1967. Ao todo, Djalma vestiu a camisa 2 alviverde 498 vezes.

F. Gualberto/CB/D.A Press
O ex-jogador de futebol Djalma Santos assiste ao jogo da Seleção Brasileira

Bi-mundial
Em 1962, Djalma Santos foi chamado para a sua terceira Copa do Mundo, desta vez sob o comando do técnico Aymoré Moreira. Se na Suécia o lateral-direito só jogou a final, no Chile ele foi titular absoluto, mais uma vez fundamental para levar a Seleção Brasileira ao topo. O Brasil sagrou-se bicampeão mundial e Djalma Santos foi eleito pela terceira vez consecutiva o melhor jogador em sua posição na Copa – feito só repetido por Franz Beckenbauer. O título pessoal fez Djalma ser o primeiro brasileiro a defender a Seleção da Fifa. A honraria aconteceu em 1963, quando a entidade máxima escolheu craques do mundo inteiro para um amistoso contra a Inglaterra. Outro brasileiro escolhido, Pelé não jogou por estar machucado.

Em 1966, Djalma tinha 37 anos e ainda possuía fôlego para defender a Seleção. A organização do Brasil para a disputa do Mundial na Inglaterra, no entanto, foi um fracasso. O técnico Vicente Feola convocou 47 jogadores para um período de treinamentos antes da Copa. Do grupo inteiro, a Seleção Brasileira só levou 22 atletas para a Inglaterra. O caos no planejamento custou o sonho do tricampeonato mundial. O Brasil foi eliminado na primeira fase, e Djalma Santos só atuou em duas partidas, a vitória contra a Bulgária (2x0) e a derrota para a Hungria (3x1). Era o fim da passagem mítica do jogador pela lateral-direita da Seleção.

A péssima campanha do Brasil na Copa de 1966 não o desanimou. Aos 39 anos, ele decidiu adiar a aposentadoria para cumprir sua palavra para Jofre Cabral e Silva, presidente do Atlético Paranaense, que o havia convidado a encerrar carreira no Paraná. O que deveria ser uma passagem de apenas tês meses virou três anos. Ao lado de outros veteranos como Dorval, Bellini e Zequinha, Djalma Santos foi campeão paranaense em 1970. Ele atuou no rubro-negro de Curitiba até os 42 anos de idade, quando ainda deixava muitos jovens para trás, até encerrar sua brilhante carreira.

Após pendurar as chuteiras, Djalma Santos tentou a vida como técnico de futebol, mas não teve sucesso. Dizia que era muito sincero para dar certo como treinador. O eterno lateral apostou então em trabalhos sociais. Mudou-se para Minas Gerais, onde trabalhou em escolinhas de futebol nos últimos 30 anos. Chegou a ser funcionário da Secretaria de Esportes, Lazer e Turismo de Uberaba-MG, onde lutou para ajudar crianças carentes a realizarem seus sonhos no esporte. Até o fim de sua vida, não abandonou o futebol nem a camisa azul com que conquistou seu primeiro título mundial pela Seleção Brasileira. Agora, se junta aos craques no time dos sonhos do céu.

Clubes:
Portuguesa (1948-1959)

Palmeiras (1959-1968)

Atlético-PR (1968-1972)

Títulos:
Seleção Brasileira: Copa do Mundo 1958 e 1962

Portuguesa: Torneio Rio-São Paulo 1952 e 1955

Palmeiras: Campeonatos Paulistas 1959, 1963 e 1966; Taça Brasil de 1960 e 1967; Torneio Roberto Gomes Pedrosa 1967; e Torneio Rio-São Paulo 1965.

Atlético-PR: Campeonato Paranaense 1970

Títulos individuais:
- Eleito o melhor lateral-direito das Copas do Mundo de 1954, 1954 e 1962 pela Fifa.

- Eleito o melhor lateral-direito da história pela Revista Placar, em 1981.

- Eleito o melhor lateral-direito de todos os tempos pela Fifa, em 1994.

- Eleito o melhor lateral-direito da história pela revista italiana Venerdì, em 1997.

- Eleito o 51º entre os “100 Craques do Século” pela Revista Placar, em 1999.

- Eleito o 66º melhor jogador da histórica das Copas pela Revista Placar, em 2006.

- Eleito um dos 1000 Maiores Esportivas do Século XX pelo jornal inglês The Sunday Times.

Recordes:
- Disputou quatro Copas do Mundo pela Seleção Brasileira, feito só repetido por Nilton Santos, Castilho, Djalma Santos, Pelé, Émerson Leão, Cafú e Ronaldo Fenômeno.

- Único jogador, ao lado de Franz Beckenbauer, eleito três vezes o melhor de sua posição em Copas do Mundo.

- Primeiro atleta a superar a marca de 100 jogos pela Seleção Brasileira.

- Primeiro brasileiro a defender a Seleção da Fifa, em 1963.

- Segundo atleta com mais jogos pela Portuguesa (434), só atrás de Capitão (496).

- Oitavo atleta com mais jogos pelo Palmeiras (498).

- Jamais foi expulso de campo em 22 anos de carreira.

Números pela Seleção:
111 jogos

79 vitórias

16 empates

16 derrotas

76% de aproveitamento

3 gols

Entre lendas
Em 1994 a FIFA divulgou a Seleção das Copas do Mundo de Todos os Tempos (FIFA World Cup All-Time Team). Djalma Santos aparece absoluto na lateral-direita de um time formado por lendas internacionais e apenas mais dois brasileiros, os craques Garrincha e Pelé. A Seleção da Fifa, escalada no esquema 4-3-3, é composta por: Lev Yashin (União Soviética, 1958-70); Djalma Santos (1952-68), Franz Beckenbauer (Alemanha Ocidental, 1966-74), Bobby Moore (Inglaterra, 1962-70) e Paul Breitner (Alemanha Ocidental 74-82); Johan Cruyff (Holanda, 1974), Michel Platini (França, 1978-86) e Bobby Charlton (Inglaterra, 1958-70); Garrincha (1958-66), Ferenc Puskás (Hungria, 1954-62) e Pelé (1958-70).

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